31 dezembro 2013

Os Padrões das Grandes Seleções na Copa das Confederações 2013: a Finalização e o Gol

Os padrões e as relações entre volume e aproveitamento de sequências ofensivas que terminam em finalização e/ou gol

“O futebol é um esporte obcecado e distraído pela beleza”
(Anderson e Sally in Os Números do Jogo, 2013, p. 45)
Em sequência ao artigo anterior em que a ação técnica discutida foi o passe (Parte 1 – O Passe), dados sobre finalizações e gols são aqui apresentados de maneira a complementar a leitura dos padrões apresentados pelas equipes. O passe nos informa como a equipe “transporta” a bola para chegar ao gol, enquanto a finalização aponta o padrão de desfecho da jogada. É importante atentar para o fato de que a finalização acontece quando uma sequência ofensiva é bem sucedida e a bola não é perdida durante a mesma (a sequência ofensiva). E a finalização é essencial para que a equipe faça gols. Portanto o volume, o tipo e o aproveitamento de finalizações tem relação direta com o sucesso de uma equipe.

Assim como no artigo anterior, os números nas figuras a seguir estão divididos de acordo com a fase da competição (Primeira Fase com três jogos, Segunda Fase com dois jogos sendo semifinal e final ou disputa do terceiro e quarto lugares). E também em valores absolutos (número de finalizações totais) e média (número total dividido pelo número de jogos respectivo).

Figura 1 – Comparação entre a Primeira e Segunda Fase (Finalizações)

A seleção com maior decréscimo no número de finalizações foi a Espanha, porém ela criou um índice muito alto na primeira fase e mesmo sendo a equipe que mais finalizou em média na segunda fase, teve como produto final uma performance em decréscimo. Todas as outras seleções tiveram um aumento significativo no volume de finalizações. Pode-se constatar também que as duas equipes que apresentaram maior crescimento na comparação das duas fases ficaram fora da final. A média de finalizações na segunda fase foi muito próxima entre as equipes, com o Uruguai ficando um pouco abaixo dos outros.

Figura 2 – Comparação entre a Primeira Fase e o Resultado Final (Finalizações)

A quantidade de finalizações apresentou uma mudança relativamente alta entre a primeira fase e o resultado final. E essa mudança pode ter acontecido em decorrência dos jogos eliminatórios. Como pode-se constatar nas duas próximas figuras, esse aumento na média de finalizações de três seleções e a diminuição da média de uma delas não teve uma transferência direta no aumento do número de gols. Muito pelo contrário, todas as seleções diminuíram a média de gols nas duas partidas finais. Ao que parece, com a melhora do nível dos adversários, eram necessárias também mais finalizações para se chegar ao gol (qualidade dos goleiros, provavelmente). 
Olhando friamente para os números, não é possível relacionar diretamente a quantidade de finalizações com os gols, porque as finalizações têm características próprias e podem ser classificadas em alguns tipos (essa é outra discussão). Em geral, as finalizações que são construídas por uma equipe que pressiona alto são diferentes daquela que uma equipe que contra-ataca obtém durante uma partida.

Figura 3 – Comparação entre a Primeira e Segunda Fase (Gols)
A seleção brasileira foi aquela que conseguiu sustentar uma média mais próxima da obtida na primeira fase e não por acaso, sagrou-se campeã. A Espanha, mesmo sendo a equipe que mais finalizou em média nos dois jogou não marcou gols nessa fase, com uma queda vertiginosa de aproveitamento de finalizações. Esses resultados podem indicar que a equipe campeã de uma competição de alto nível, não apenas tem um padrão de rendimento alto em relação aos seus competidores, como consegue sustentá-lo sob circunstâncias desfavoráveis, sendo resiliente, flexibilizando em resposta aos novos problemas gerados pelos sistemas defensivos mais elaborados que enfrenta nos jogos decisivos. 

Figura 4 – Comparação entre a Primeira Fase e o Resultado Final (Gols)
Todas as seleções marcaram menos gols em média nos jogos eliminatórios. Três finalizaram mais do que na primeira fase e aquela que finalizou menos do que na primeira fase em média, ainda sim finalizou mais do que as outras (a Espanha no caso). A diferença foi o aproveitamento. O gol é produto de boas decisões-ações tomadas-realizadas individual e/ou coletivamente, simultâneas e/ou em sequência que, relativas ao problema proposto pelo jogo, são suficientes para resolvê-lo (o problema).
A empresa Opta Sports registrou 2.842 eventos na final da Liga dos Campeões entre Inter de Milão e Bayern de Munique. Dois desses eventos foram os gols marcados por Diego Milito que deram o título à Inter. Ou seja, foi um gol a cada 1.421 eventos (Anderson e Sally, 2013). Marcar um gol é produto de muitas ações e tem relação com todas as variáveis interferentes, afinal, ele é o grande alvo das equipes. Marcar gols gasta energia, energia complexa. Finalizar mais gasta energia e ao que parece, pode ou não resultar em mais gols. Esse balanço deve ser feito pela equipe. Quando, como e se finalizar quais as consequências virão.
  
Referências Bibliográficas
Anderson, C. e Sally, D. Os números do jogo: por que tudo o que você sabe sobre futebol está errado. Tradução: André Fontenelle. São Paulo, 2013.

FIFA. Disponível em: http://pt.fifa.com/confederationscup/statistics/index.htm. Acesso em: 05/07/2013.
Leitão, R.A.A. Ciências do esporte aplicadas ao futebol: reflexões sobre a organização do jogo. 2008. 101 f. Livro didático de apoio. Curso de especialização em futebol e futsal. Universidade Gama Filho, 2008.

15 dezembro 2013


Sexta-feira, 13 de Dezembro de 2013

Juan Carlos Garrido - "Jogo das Bolas Paradas"



Exercícios do novo Treinador do Real Bétis de Sevilha


Exercício para Treinar as Bolas Paradas Defensivas e Respetiva Transição Ofensiva:

Situação GR+6x6+GR (com 6 jogadores a cruzar)
Descrição:
Divide-se o grupo em 3 equipas de 6 jogadores. Duas equipas jogam dentro do espaço de jogo uma situação de GR+6x6+GR enquanto os jogadores da outra equipa ficam por fora do espaço de jogo a marcar as "bolas paradas". Os jogadores exteriores alternam 1 cruzamento aéreo para a grande área, com a colocação da bola curta no pé de um atacante e assim sucessivamente. Após a bola entrar em jogo as equipas têm 10 segundos para marcar/evitar o golo. No final do tempo estipulado as equipas trocam de funções.
Esquema:

13 agosto 2013

1-4-2-3-1: da Solução Estrutural à Solução de Fato

Partindo dos problemas estruturais a serem resolvidos no jogo, esse esquema tático vem sendo muito utilizado pelos treinadores atualmente

“Tão importante quanto visualizá-la de maneira estática é o
treinador compreender toda a dinâmica relacional da plataforma”
(Zago in Arruda et al, 2013, p. 441)
O esquema tático (ou plataforma tática) 1-4-2-3-1 vem sendo muito utilizado por todo o futebol mundial, inclusive no Brasil. Assim como aconteceu com o 1-4-4-2, depois com o 1-3-5-2, o 1-4-2-3-1 passou a ser visto como a solução de todos os problemas. Entender porque um esquema tático se torna mais “popular” entre os treinadores talvez seja tão ou mais fundamental do que entender o próprio esquema. Em geral, esse esquema se apresenta das seguintes formas apresentadas abaixo.
Figura 1 – Variações estruturais básicas do 1-4-2-3-1
Figura 1 – Variações estruturais básicas do 1-4-2-3-1
Basicamente, o 1-4-2-3-1 se apresenta nas três formas apresentadas acima ao longo do jogo e, dependendo das características dos jogadores e da proposta de jogo com mais regularidade em uma delas, porém passando ocasionalmente pelas outras duas. Na estruturação original, o primeiro campo corresponde ao esquema montado com dois volantes e três meias. No campo central, os alas devem possuir características para tal função. E no campo da direita, as características dos jogadores das laterais da linha de meias (?!) normalmente são atacantes que não de referência.



Figura 2 – Hierarquia das Interações entre os meias e atacantes
Ao longo do jogo, dependendo da posição da bola e da equipe que detém a posse, o esquema tático vai se deformando para se ajustar às necessidades momentâneas (recuperação da bola, direcionamento do jogo do adversário, construção do jogo, fase de finalização, etc.). O 4-2-3-1 geralmente passa pelos arranjos apresentados (figura 1) durante o jogo pela proximidade dessas posições com a que seus jogadores ocupam em campo mais naturalmente. Porém, em muitos casos, apesar de considerar que esse esquema tático é a base para as outras variações, o que vai definir realmente o esquema tático é a forma como os jogadores interagem em campo. Na figura 2, as setas laranjas indicam uma “relação mais forte” entre os jogadores do setor, enquanto as setas pretas indicam uma “relação menos forte” entre seus membros. Portanto, independentemente de como o esquema é nomeado, o que vai defini-lo é o resultado dessas interações. Nas três situações (figura 2) os meias / alas / atacantes podem ser assim chamados de acordo com os parceiros com quem interajam mais fortemente. No primeiro campo (figura 2), a linha com três meias realiza suas dinâmicas baseado primeiramente nos comportamentos de seus companheiros dessa linha. A linha possui dinâmicas que então conectadas com as da equipe. Há uma hierarquia, que respeita e integra essas dinâmicas num todo funcional em direção à eficácia no jogo. No campo central, os alas interagem mais fortemente com a linha de volantes e menos fortemente com o meia central. Como produto, a equipe trabalha mais em uma plataforma 1-4-4-1-1 pela forma como estrutura o espaço na solução dos problemas do jogo. No campo da direita, há uma interação maior com o atacante centralizado do que com o meia do centro. Visualmente, emerge o 1-4-3(2-1)-3. A relação não acontece apenas no nível espacial, portanto, mesmo que a equipe transite entre os três desenhos, será atraída para uma configuração em especial.

Figura 3 – Duas possibilidades para a Pressão Alta (Linha 1)
Acima são apresentadas duas possibilidades de estruturação espacial para a pressão na referida plataforma tática. No primeiro modelo, a “linha de 4” defensiva fica preservada e os volantes flutuam de maneira mais agressiva para o lado da bola compensando a manutenção do lateral na linha. Como vantagem, a linha defensiva fica mais larga, porém uma zona frágil tem que ser administrada no centro (oposto à bola) conforme destacado na figura 3 (retângulo horizontal vermelho). Com a subida do lateral fechando a paralela, o centro do campo fica mais povoado (modelo à direita na figura 3), porém a linha defensiva fica mais estreita, com maior fragilidade às diagonais longas (zona vermelha – retângulo vertical). Obviamente, a abordagem do jogador que pressiona a bola muda em função do tipo de pressão (direcionando para o centro ou para a paralela).


Figura 4 – Posicionamento para Pressão a partir da Linha 2

Do ponto de vista estrutural, a pressão a partir da linha 2 (intermediária de ataque) é melhor acomodada pela plataforma do que a pressão alta (linha 1). Os espaços entre os laterais e os meias do mesmo lado (LD – MD e LE – ME), são mais facilmente diminuídos e a necessidade de ajustes é menor, conforme demonstrado na figura 3. Habitualmente, a pressão inicia quando a bola é direcionada para uma das laterais, conforme o campo da direita da figura 4. Dependendo do princípio operacional (recuperação da bola ou impedir a progressão) o atacante se comporta de maneira diferente. Para a recuperação, ele busca manter a bola na zona para poder ser pressionada (tirando linha de passe no zagueiro ou que permita a virada). Se o objetivo for impedir a progressão, ele pode entrar atrás da linha da bola novamente e permitir a circulação.

Figura 5 – Organização defensiva na Linha 4 e Balanço Ofensivo

Dentre as possibilidades de organização defensiva na linha 4 (intermediária defensiva) que o esquema tático permite, duas estão apresentadas na figura 5. No campo da esquerda, a opção é por uma proporção (Leitão, 2009) mais conservadora do ponto de vista numérico com viés defensivo, enquanto no campo da direita há uma proporção mais ousada. A proporção é um conceito das duas fases de transição (ataque-defesa e defesa-ataque) que, segundo o autor, relativiza o número de jogadores que estão efetivamente “defendendo” ou “atacando” sem que isso possa parecer uma fragmentação, apenas como sistematização do conteúdo. No campo à esquerda a proporção é de (2 x [8 + G]), ou seja, dois jogadores com preocupações já ofensivas no caso da recuperação da bola e nove (goleiro incluso) jogadores envolvidos mais diretamente com a sua recuperação. No campo da direita a proporção é de (4 x [6 + G]). Naturalmente, a ocupação do espaço pelos jogadores permite um balanço ofensivo (em destaque no campo à direita) que rapidamente pode deixar o ataque com boa amplitude (MD e ME) e profundidade (AT). Em compensação, com esse balanço, a marcação em largura (equilíbrio horizontal) fica prejudicada. O posicionamento do campo à esquerda oferece um melhor equilíbrio defensivo (em largura inclusive), porém, no movimento seguinte à recuperação o tempo para ocupar o campo de ataque é maior.

Figura 6 – Balanço Defensivo
  
Na figura 6 são mostradas duas possibilidades de balanço defensivo com a estrutura e a proporção (6 x [4 + G]) mantidas, mas com variação dos jogadores que o realizam. No campo à esquerda, um volante faz o balanço da jogada (VD) e o outro da equipe (VE). No outro modelo, o lateral faz o balanço da jogada (LD) e o volante do lado da bola (VD) o da equipe, com o outro volante (VE) mais adiantado. O balanço defensivo do campo à esquerda, coloca mais jogadores na lateral em que está a bola (aumentado as chances de triangulações) enquanto o balanço defensivo do campo à direita preenche mais a faixa central. As vantagens e desvantagens devem ser pesadas. Há muitas outras possibilidades, como o lateral oposto no balanço (5 x [5 + G]), por exemplo.
De maneira consciente ou intuitiva, o 4-2-3-1 ganhou espaço no Brasil quando algumas preocupações coletivas começaram a nortear as ações dos treinadores. Em boa parte das situações, o esquema ainda é utilizado por permitir encaixes individuais mais facilmente. Originalmente com três meias, conforme apresentado, no Brasil é mais normal observá-lo com dois atacantes abertos (seria um 1-4-3-3?) e um mais centralizado ou até com um atacante aberto de um lado e um meia no outro, quase um 1-4-4-2 “disfarçado”. O esquema ou plataforma tática não se esgota nele mesmo. Todos os conceitos discutidos podem ser resolvidos em outros esquemas, desde que a essência do problema seja entendida.

Referências Bibliográficas

Arruda, M. et al. Futebol: ciências aplicadas ao jogo e ao treinamento. São Paulo. Phorte, 2013. 560p.
Leitão, R.A.A. Ciências do esporte aplicadas ao futebol: reflexões sobre a organização do jogo. 2008. 101 f. Livro didático de apoio. Curso de especialização em futebol e futsal. Universidade Gama Filho, 2008.
Artigo de Leandro Zago

08 julho 2013

Inglaterra 2 x 1 Brasil. Analise tática. Amistoso

Esquemas táticos  
A Inglaterra venceu o Brasil por 2 a 1, no estádio de Wembley, em Londres. O esquema tático da Inglaterra foi o 4-1-4-1. O esquema tático do Brasil foi o 4-2-3-1. O jogo marcou a reestreia de Felipão à frente da Seleção Brasileira.

Análise tática

No 4-2-3-1, o Brasil começou o jogo com Neymar pela direita, Oscar pelo centro e Ronaldinho pela esquerda. Mas óbvio se impôs e Neymar foi jogar ao lado de Ronaldinho, revezando de posição com ele entre centro e esquerda. Oscar ficou pela direita e, de vez em quando, trocava de posição com Neymar pelo centro.

O maior problema do ataque brasileiro foi o isolamento de Luís Fabiano. Problema que se repetiu no segundo tempo com Fred, apesar do gol e de uma bola na trave ainda no início. O isolamento do centroavante no 4-2-3-1 vem desde Parreira, em 2010, e se repetiu com Mano Menezes. O 4-2-3-1 é um esquema que não favorece o centroavante. Podem observar.
A Inglaterra jogou melhor. No 4-1-4-1, conseguiu criar mais chances e mostrou mais qualidade quando teve a bola. Gerrard atuou como o “1” entre a linha de defesa e a de meio-campo. Foi o volante-armador e jogou livre, sem marcação, e protegido para pelos meias centrais, Wilshere e Cleverley, para pensar o jogo e fazer lançamentos.
No segundo tempo, Walcott, apagado na primeira etapa, acordou e fez muitas jogadas pela ponta direita. Foi o destaque da seleção inglesa no segundo tempo. Na primeira etapa, a Inglaterra centralizou muito o jogo, inclusive com seus laterais, que avançavam em diagonal. O que foi uma boa estratégia, diga-se, já que com volantes que gostam de sair para o jogo, o Brasil marcava mal pelo miolo. O primeiro gol inglês, inclusive, saiu pelo centro, com Rooney.
Os laterais brasileiros, por sua vez, pouco avançaram e praticamente não fizeram jogadas de linha de fundo. Aliás, só Adriano chegou à linha de fundo uma vez pelo Brasil. E não cruzou. Centroavante sofre no 4-2-3-1 em que os jogadores laterais não vão à linha de fundo... No segundo tempo, com Neymar mais fixo pela esquerda, enfim saíram mais jogadas pela ponta.  

Destaques do jogo

Ronaldinho foi mal. Não foi bem pelo centro nem pela esquerda. Não qualificou o passe no meio, como se esperava, e ainda errou um pênalti. Oscar vai melhor por ali. Mas Oscar também não se apresentou bem, assim como Neymar brilhou como de costume. Dante, o estreante, não comprometeu. David Luiz também não. Júlio César voltou bem e fez grandes defesas. Salvou o Brasil de levar mais gols. Ramires é um ótimo jogador, mas é mais adequado para estratégias em que se utiliza o contra-ataque ou três volantes. Com dois volantes, o melhor é ter um jogador com melhor passe, que possa armar o jogo quando os três meias atacantes estiverem marcados. Arouca é mais adequado.
Entre os ingleses, destaco o esquema tático inteligente, com Gerrard como volante-armador, protegido pelos meias centrais da linha de quatro. Ali ele pensa, passa e arma o jogo. Walcott incendiou o jogo no segundo tempo, ganhando todos os embates com Adriano. Welbeck não foi bem no ataque, assim como seu substituto, Milner. Entretanto, ambos, assim como Ashley Cole e Baines, não permitiram nenhuma jogada em seu setor, seja com Oscar, Neymar, Lucas ou Daniel Alves. Wilshere, com sua juventude e técnica, permitiu que Lampard e Gerrard pudessem brilhar ainda mais.

Sistema 1-4-2-3-1


Da Solução Estrutural à Solução de Fato

Partindo dos problemas estruturais a serem resolvidos no jogo, esse esquema tático vem sendo muito utilizado pelos treinadores atualmente
“Tão importante quanto visualizá-la de maneira estática é o
treinador compreender toda a dinâmica relacional da plataforma”
(Zago in Arruda et al, 2013, p. 441)
O esquema tático (ou plataforma tática) 1-4-2-3-1 vem sendo muito utilizado por todo o futebol mundial, inclusive no Brasil. Assim como aconteceu com o 1-4-4-2, depois com o 1-3-5-2, o 1-4-2-3-1 passou a ser visto como a solução de todos os problemas. Entender porque um esquema tático se torna mais “popular” entre os treinadores talvez seja tão ou mais fundamental do que entender o próprio esquema. Em geral, esse esquema se apresenta das seguintes formas apresentadas abaixo.
Figura 1 – Variações estruturais básicas do 1-4-2-3-1
Figura 1 – Variações estruturais básicas do 1-4-2-3-1
Basicamente, o 1-4-2-3-1 se apresenta nas três formas apresentadas acima ao longo do jogo e, dependendo das características dos jogadores e da proposta de jogo com mais regularidade em uma delas, porém passando ocasionalmente pelas outras duas. Na estruturação original, o primeiro campo corresponde ao esquema montado com dois volantes e três meias. No campo central, os alas devem possuir características para tal função. E no campo da direita, as características dos jogadores das laterais da linha de meias (?!) normalmente são atacantes que não de referência.



Figura 2 – Hierarquia das Interações entre os meias e atacantes
Ao longo do jogo, dependendo da posição da bola e da equipe que detém a posse, o esquema tático vai se deformando para se ajustar às necessidades momentâneas (recuperação da bola, direcionamento do jogo do adversário, construção do jogo, fase de finalização, etc.). O 4-2-3-1 geralmente passa pelos arranjos apresentados (figura 1) durante o jogo pela proximidade dessas posições com a que seus jogadores ocupam em campo mais naturalmente. Porém, em muitos casos, apesar de considerar que esse esquema tático é a base para as outras variações, o que vai definir realmente o esquema tático é a forma como os jogadores interagem em campo. Na figura 2, as setas laranjas indicam uma “relação mais forte” entre os jogadores do setor, enquanto as setas pretas indicam uma “relação menos forte” entre seus membros. Portanto, independentemente de como o esquema é nomeado, o que vai defini-lo é o resultado dessas interações. Nas três situações (figura 2) os meias / alas / atacantes podem ser assim chamados de acordo com os parceiros com quem interajam mais fortemente. No primeiro campo (figura 2), a linha com três meias realiza suas dinâmicas baseado primeiramente nos comportamentos de seus companheiros dessa linha. A linha possui dinâmicas que então conectadas com as da equipe. Há uma hierarquia, que respeita e integra essas dinâmicas num todo funcional em direção à eficácia no jogo. No campo central, os alas interagem mais fortemente com a linha de volantes e menos fortemente com o meia central. Como produto, a equipe trabalha mais em uma plataforma 1-4-4-1-1 pela forma como estrutura o espaço na solução dos problemas do jogo. No campo da direita, há uma interação maior com o atacante centralizado do que com o meia do centro. Visualmente, emerge o 1-4-3(2-1)-3. A relação não acontece apenas no nível espacial, portanto, mesmo que a equipe transite entre os três desenhos, será atraída para uma configuração em especial.

Figura 3 – Duas possibilidades para a Pressão Alta (Linha 1)
Acima são apresentadas duas possibilidades de estruturação espacial para a pressão na referida plataforma tática. No primeiro modelo, a “linha de 4” defensiva fica preservada e os volantes flutuam de maneira mais agressiva para o lado da bola compensando a manutenção do lateral na linha. Como vantagem, a linha defensiva fica mais larga, porém uma zona frágil tem que ser administrada no centro (oposto à bola) conforme destacado na figura 3 (retângulo horizontal vermelho). Com a subida do lateral fechando a paralela, o centro do campo fica mais povoado (modelo à direita na figura 3), porém a linha defensiva fica mais estreita, com maior fragilidade às diagonais longas (zona vermelha – retângulo vertical). Obviamente, a abordagem do jogador que pressiona a bola muda em função do tipo de pressão (direcionando para o centro ou para a paralela).


Figura 4 – Posicionamento para Pressão a partir da Linha 2

Do ponto de vista estrutural, a pressão a partir da linha 2 (intermediária de ataque) é melhor acomodada pela plataforma do que a pressão alta (linha 1). Os espaços entre os laterais e os meias do mesmo lado (LD – MD e LE – ME), são mais facilmente diminuídos e a necessidade de ajustes é menor, conforme demonstrado na figura 3. Habitualmente, a pressão inicia quando a bola é direcionada para uma das laterais, conforme o campo da direita da figura 4. Dependendo do princípio operacional (recuperação da bola ou impedir a progressão) o atacante se comporta de maneira diferente. Para a recuperação, ele busca manter a bola na zona para poder ser pressionada (tirando linha de passe no zagueiro ou que permita a virada). Se o objetivo for impedir a progressão, ele pode entrar atrás da linha da bola novamente e permitir a circulação.

Figura 5 – Organização defensiva na Linha 4 e Balanço Ofensivo

Dentre as possibilidades de organização defensiva na linha 4 (intermediária defensiva) que o esquema tático permite, duas estão apresentadas na figura 5. No campo da esquerda, a opção é por uma proporção (Leitão, 2009) mais conservadora do ponto de vista numérico com viés defensivo, enquanto no campo da direita há uma proporção mais ousada. A proporção é um conceito das duas fases de transição (ataque-defesa e defesa-ataque) que, segundo o autor, relativiza o número de jogadores que estão efetivamente “defendendo” ou “atacando” sem que isso possa parecer uma fragmentação, apenas como sistematização do conteúdo. No campo à esquerda a proporção é de (2 x [8 + G]), ou seja, dois jogadores com preocupações já ofensivas no caso da recuperação da bola e nove (goleiro incluso) jogadores envolvidos mais diretamente com a sua recuperação. No campo da direita a proporção é de (4 x [6 + G]). Naturalmente, a ocupação do espaço pelos jogadores permite um balanço ofensivo (em destaque no campo à direita) que rapidamente pode deixar o ataque com boa amplitude (MD e ME) e profundidade (AT). Em compensação, com esse balanço, a marcação em largura (equilíbrio horizontal) fica prejudicada. O posicionamento do campo à esquerda oferece um melhor equilíbrio defensivo (em largura inclusive), porém, no movimento seguinte à recuperação o tempo para ocupar o campo de ataque é maior.

Figura 6 – Balanço Defensivo
  
Na figura 6 são mostradas duas possibilidades de balanço defensivo com a estrutura e a proporção (6 x [4 + G]) mantidas, mas com variação dos jogadores que o realizam. No campo à esquerda, um volante faz o balanço da jogada (VD) e o outro da equipe (VE). No outro modelo, o lateral faz o balanço da jogada (LD) e o volante do lado da bola (VD) o da equipe, com o outro volante (VE) mais adiantado. O balanço defensivo do campo à esquerda, coloca mais jogadores na lateral em que está a bola (aumentado as chances de triangulações) enquanto o balanço defensivo do campo à direita preenche mais a faixa central. As vantagens e desvantagens devem ser pesadas. Há muitas outras possibilidades, como o lateral oposto no balanço (5 x [5 + G]), por exemplo.
De maneira consciente ou intuitiva, o 4-2-3-1 ganhou espaço no Brasil quando algumas preocupações coletivas começaram a nortear as ações dos treinadores. Em boa parte das situações, o esquema ainda é utilizado por permitir encaixes individuais mais facilmente. Originalmente com três meias, conforme apresentado, no Brasil é mais normal observá-lo com dois atacantes abertos (seria um 1-4-3-3?) e um mais centralizado ou até com um atacante aberto de um lado e um meia no outro, quase um 1-4-4-2 “disfarçado”. O esquema ou plataforma tática não se esgota nele mesmo. Todos os conceitos discutidos podem ser resolvidos em outros esquemas, desde que a essência do problema seja entendida.

Referências Bibliográficas

Arruda, M. et al. Futebol: ciências aplicadas ao jogo e ao treinamento. São Paulo. Phorte, 2013. 560p.
Leitão, R.A.A. Ciências do esporte aplicadas ao futebol: reflexões sobre a organização do jogo. 2008. 101 f. Livro didático de apoio. Curso de especialização em futebol e futsal. Universidade Gama Filho, 2008.
Leandro Zago

30 junho 2013

Como funcionam os princípios da flutuação e do equílibrio defensivo?


Posted by Valter Correia 
Se começarmos agora a falar de futebol, temos imensos assuntos para discutir, como psicologia, treino, organização tática, princípios de jogo e até como ganhar dinheiro com o futebol. Apesar de ser futebol que vamos estudar neste artigo, não vamos estudar tudo o que existe neste desporto, mas apenas estudar dois princípios de defesa: equilíbrio e flutuação.

       O que é a flutuação?

       Anteriormente na nossa comunidade, referimos as vantagens e as desvantagens da flutuação no futebol. Geralmente, as equipas que se servem da flutuação ou basculação como princípio estrutural de defesa e principal método defensivo, orientam-se em função da bola. Seguem a bola, movimentam-se para onde a bola for, e ocupam o espaço em volta da bola, obrigando o adversário ao erro ou tentando o desarme. Segundo Vasquez Folgueira (2001), a flutuação refere-se à movimentação em largura quando o adversário passa a bola entre diferentes zonas do campo, movimentação essa coordenada entre os vários jogadores da equipa. Por exemplo na figura a seguir, a equipa ocupa o espaço onde se encontra a bola:


       Em que situações utilizar a flutuação?
       Vamos pensar em conjunto: se com a flutuação, os jogadores se organizam em volta do centro de jogo, para levar o adversário ao erro ou tentar o desarme, como podemos desenvolver uma forma de jogar em volta deste princípio? Em primeiro lugar, precisamos saber como o adversário vai tratar a bola, para onde a vai levar e o que vai tentar fazer com ela. É fulcral saber em que momento devemos recuperar a bola, para que o nosso processo ofensivo seja mais eficaz e facilitado. Em segundo lugar, organizamos a equipa para recuperar a posse de bola:
  • Antes de a bola ser recuperada: movimentando-se sempre com o espaço fechado
  • Recuperando a bola: especialmente se for o momento certo para o fazer
  • Tratando bem a bola: não vale a pena perder a bola logo após a recuperar

       Mas, porquê tratar bem a bola depois de a recuperar, e como o fazer?
       Podemos utilizar duas estratégias diferentes. Se o adversário liberta muito espaço no seu lado do campo, tentar o contra-ataque é uma boa estratégia. Mas se o adversário causa demasiada pressão no centro de jogo, ou dispõe de muitos jogadores nessa zona, ou ainda ocupa bem o seu espaço defensivo, não adianta tentar ações ofensivas com a bola. O risco é muito elevado. Existe um termo, "retirada da pressão" ou como quiserem chamar, onde o portador retira a bola da zona de pressão logo após a recuperar, passando a mesma a um colega de equipa. Esse colega, agora com mais espaço, pode voltar a libertar para outro colega ainda com mais espaço para jogar ou iniciar uma jogada ofensiva. Mesmo que a equipa perca a posse nessa jogada ofensiva, perdeu tentando levá-la à baliza adversária com um propósito, logo não será em vão.


       O que é o equilíbrio defensivo?

       Nem sempre é necessário criar zonas de pressão para forçar o adversário a cometer erros. Muitas vezes é mais fácil não permitir ao adversário ter por onde progredir, que ele mesmo encarrega-se de cometer erros sem grande pressão defensiva da nossa equipa. Evidentemente que não refiro deixar o adversário entrar na nossa zona defensiva e fazer da bola o que quiser. A função do equilíbrio defensivo será organizar os jogadores no espaço defensivo de forma homogénea pela amplitude do campo, sempre com ações de desarme e pressão quando a bola passa perto de um jogador.

       Em que situações utilizar o equilíbrio defensivo?
       Apesar de a flutuação estender a ocupação do espaço numa determinada área, essa ocupação deve ser equilibrada. Significando isso que, se o espaço em volta da zona da bola for demasiado ocupado, isto é, tem muitos jogadores nessa zona, significa que vai haver espaços no campo sem ocupação, espaços livres, por onde o adversário pode levar a bola e criar situações a partir daí. O princípio do equilíbrio defensivo busca contornar esse problema, dividindo os jogadores de forma equilibrada no espaço do campo. Para isso, necessitamos de dividir os jogadores entre centro de jogo e fora do centro de jogo, assim como dividir os jogadores no espaço no centro do jogo e fora do centro do jogo.



       Portanto, se o adversário ataca em pontos diferentes da nossa defesa onde não sabermos por onde vai atacar, a melhor opção é mesmo defender todo o nosso campo de forma equilibrada, e reagir rapidamente quando o adversário entra numa zona. Como mostra a figura, não importa por onde ataque o adversário, que encontrará sempre dificuldades por parte da nossa equipa.

       Que vantagens têm a nossa equipa com o equilíbrio defensivo?
       Imensas, obviamente. Podemos até referir que a marcação à zona é orientada pelo princípio do equilíbrio defensivo. A principal vantagem é manter o espaço sempre ocupado, mesmo quando dois ou três jogadores se soltam para pressionar o adversário. Mesmo nessa situação, restam sempre jogadores em cobertura defensiva, jogadores a ocupar o corredor lateral contrário, jogadores perto do centro do jogo prontos para entrar em ação ou fechar linhas de passe, assim como jogadores-chave adversários sempre pressionados por jogadores da nossa equipa.

       Como relacionar estes dois princípios com o tamanho do campo?

       Para fazer esta relação, vamos distinguir apenas dois tipos de campos de futebol: com muitíssima amplitude, e com pouquíssima amplitude. E se o leitor assim pretender, pode estudar porque o tamanho do campo influencia no rendimento das equipas para entender melhor a questão agora apresentada: como relacionar estes dois princípios com o tamanho do campo?

       >>> Em campos com baixa amplitude
       Servir-se da flutuação pode ser um excelente método defensivo. Quando a equipa joga em campos pouco largos, e movimenta-se em função da bola, basculando, existirá sempre uma pressão elevada em volta do centro de jogo. Uma vez que o campo é pouco largo, a equipa demora pouco tempo a flutuar entre um corredor e o outro, alcançando rapidamente o espaço onde se encontra a bola. Isto quer dizer que, em campos pouco amplos, a flutuação irá criar elevada pressão em cima do adversário com facilidade

       >>> Em campos com elevada amplitude
       Servir-se da flutuação para um campo tão largo, desgastando tanto os jogadores e fazendo-os perder tanto tempo a movimentar-se entre corredores é consideravelmente um erro, exceto se o adversário não tenta ampliar o seu jogo ofensivo. No futebol, consegue-se fazer a bola se mover mais depressa que os jogadores. Se vamos utilizar a flutuação, chega uma altura que o adversário nos encontra num lado do campo, e coloca a bola no outro lado do campo, onde tem espaço para jogar. Isso fará a nossa equipa não ter tempo suficiente para cobrir esse espaço, o que pode originar situações desvantajosas para a nossa equipa. O essencial para campos de elevada amplitude é ocupar o espaço horizontal de igual forma, e deixar apenas um pequeno espaço no corredor contrário à posição da bola. Mesmo que o adversário coloque rapidamente a bola nesse corredor, a nossa equipa tem jogadores perto dessa zona e fará pressão rapidamente.

       Cito ainda que, a flutuação e equilíbrio são apenas dois princípios para organizar a organização defensiva da nossa equipa e que não devemos depender desses princípios para essa organização. Existem outros fatores, como a estratégia adversária por exemplo, ou a posição das linhas de marcação.

       Conclusão

       Na final da liga Europa entre o SL Benfica e o Chelsea FC, enquanto eu via a partida com um colega meu, era fácil ficar com a impressão que o SL Benfica estava a controlar o jogo, quando na realidade não estava. Mesmo com muitos ataques e várias aproximações da baliza, o Chelsea FC defendeu sempre o seu espaço de forma equilibrada, com capacidade para pressionar em qualquer zona do campo. Esse meu amigo bem teimou que o SL Benfica ia ganhar, mas se eu tivesse apostado no que eu acreditava, tinha ganho algum dinheiro. Fica para a próxima. Nesse jogo, o ponto-chave para a vitória da equipa inglesa foi o equilíbrio na sua zona, justamente pelo que aqui tratamos.

       Importante será mesmo referir que a flutuação deve ser orientada pelo equilíbrio, em que a ocupação do espaço deve ser feita de forma equilibrada. Se for ao contrário, a flutuação não orienta o equilíbrio defensivo, uma vez que a ocupação equilibrada dos espaços não é flutuar, mas ocupar organizadamente o espaço, para que não haja um espaço livre em lado algum da defesa. Ficam aqui alguns artigos que o leitor certamente considerará importantes:

29 junho 2013

A importancia da flexibilidade dos modelos de jogo


Posted by Valter Correia 
       Numa primeira parte deste artigo, vamos procurar compreender o que é um modelo de jogo flexível, e numa segunda parte compreenderemos porque razões os modelos de jogo devem ser flexíveis. Existem várias características e princípios aplicados à criação de modelos de jogo. Por exemplo, no princípio da distância, um jogador deve saber a que distância se deve encontrar dos seus colegas de equipa. De jogo para jogo, cada jogador vai variar a sua distância aos colegas de equipa para realizar a sua função, porque a cada jogo, as situações variam. Esta é por exemplo, uma das razões porque um modelo de jogo deve ser flexível.

       O que é um modelo de jogo flexível?

       Vamos até ao fundo da questão. No que diz respeito ao modelo de jogo, podemos dividir em duas partes: sistema tático e processos de jogo. O sistema tático, isto é, a representação dos jogadores como 4-3-3 ou 4-4-2, orienta os processos de jogo e com isso, os jogadores em campo. Não influencia diretamente no rendimento da equipa, embora seja a base para todo o rendimento da equipa. Os processos de jogo representam como a equipa vai jogar, seja a defender, a atacar ou a transitar entre momentos de jogo. Ao juntar a forma como a equipa de organiza (sistema tático) e a forma como a equipa joga (processos de jogo), encontramos o nosso modelo de jogo e podemos então fazer a equipa jogar à nossa imagem.



       Levando as nossas ideias para o terreno de jogo, vamos encontrar sempre equipas diferentes, onde essas equipas tem também a sua organização da equipa e os seus processos, e com isso, tem o seu próprio modelo de jogo. Isto significa que vamos encontrar dificuldades perante um adversário organizado, disposto a vencer a partida e, ao longo da partida, vamos ter que fazer alterações na equipa para melhorar as nossas hipóteses de vencer a partida.
       Para que essas alterações possam ter sucesso, precisamos de estar preparados para as fazer. E para que os jogadores estejam prontos para essas alterações, temos que os preparar no treino. É exatamente através do treino que cada equipa busca a sua organização no modelo de jogo. Feito isto, a equipa só pode fazer alterações no decorrer de uma partida de futebol se o seu modelo de jogo permitir e estiver devidamente preparada para o fazer. Vamos enumerar várias razões porque um modelo de jogo deve ser flexível, mas esta é a mais importante: capacidade em moldar a equipa consoante a competição.
       É precisamente nesta capacidade que nos baseamos para compreender o que é um modelo de jogo flexível, pois um modelo de jogo flexível, é um modelo de jogo cujas próprias características permitem moldar a equipa a curto prazo (durante uma partida por exemplo) ou a longo prazo (durante uma competição completa). Portanto, modelos de jogo estáticos, que tem sempre a mesma forma de jogar, além de serem previsíveis, têm sempre poucas soluções. Já os modelos de jogo flexíveis têm imensas soluções para as diferentes dificuldades que encontram.


     5 razões porque um modelo de jogo deve ser flexível

       Existem várias razões porque um modelo de jogo deve ser flexível e adaptável. A seguir, deixamos algumas dessas razões:

       >>> Competição variada
       Durante a competição, enfrentam-se diferentes estilos de jogo. Quando a nossa equipa defronta uma equipa, irá encontrar um estilo de jogo. Se enfrentar outra equipa, irá encontrar outro estilo de jogo diferente. Quanto mais equipas defrontarmos, mais estilos de jogo diferentes vamos encontrar. Existe um provérbio que diz: " a mesma tática, a mesma vitória". No futebol, essa filosofia não se aplica. Podemos usar o mesmo estilo vários jogos porque é dessa forma que a equipa está habituada a jogar, mas não podemos usar as mesmas formas de atacar e defender, porque os vários adversários atacam e defendem de formas diferentes. Temos que nos adaptar jogo a jogo. Mourinho, pelo qual existe um dos melhores livros de futebol que existem, afirma também que cada jogo é um jogo e difere dos restantes jogos. Completando, não existem dois jogos iguais.

       >>> Risco de lesões
       Existe sempre o risco de lesões. Apesar de nenhum jogador ser insubstituível, todos tem um estilo diferente de jogar, e por isso, quando um jogador é substituído, o estilo da equipa altera-se parcialmente ou completamente. Assim, quando um jogador titular se lesiona, o seu substituto pode ser um jogador excelente e realmente acrescentar algo à equipa. No entanto, dificilmente o seu estilo será igual, e por isso o estilo da equipa será também diferente.



       >>> Evolução do modelo de jogo ao longo da época.
       Durante a competição, principalmente em equipas bem organizadas, serão encontradas sempre falhas a corrigir e ideias para melhorar o estilo de jogo de uma equipa à medida que a época vai avançando. Geralmente, os jogadores são ou deviam ser capazes de cumprir pelo menos duas funções na organização da sua equipa. Mas, no meio da equipa, pode acontecer que determinado estilo de jogo de um jogador não funcione. O treinador procura então um segundo estilo para o jogador, que acabará por influenciar o desenrolar do jogo de toda a equipa. Caso um modelo de jogo seja flexível, o treinador pode alterar o estilo dos jogadores sem que o rendimento seja quebrado, mas até melhorado.

       >>> Substituições e alterações táticas
       Substituições ou alterações táticas são sempre uma dor de cabeça por indecisões que muitas mentes acarretam. A meio de uma partida de futebol, é sempre necessário alterar a constituição da organização da equipa, e os resultados tendem a ser melhores se a equipa estiver pronta para essas alterações. Novamente com a ideia que jogadores diferentes tem estilos de jogos diferentes, e que cada jogador fará a equipa jogar de forma diferente, quando o treinador faz uma substituição, o estilo de jogo da equipa é alterado. O importante é que a equipa esteja preparada para isso, sendo que essa preparação parte da organização da equipa ainda no modelo de jogo.

       >>> Evolução dos jogadores.
       Quando os jogadores entram na rotina, é sinal que a sua evolução vai estagnar ou até recuar. O ser humano tem a sua mente insaciável e precisa de aprender sempre algo novo. Um modelo de jogo vale pelo que os jogadores aprendem para melhorar a sua organização em campo. Caso o modelo de jogo seja simples, os jogadores aprendem tudo depressa e deixam de evoluir tática e tecnicamente. Já se o modelo de jogo tiver várias soluções, isto é, tem várias formas de jogar e pode evoluir para outros níveis relacionados com o nível de dificuldade que se encontra, os jogadores podem continuar a evoluir até que o seu próprio organismo não permita ou precise descansar. Esta é uma razão porque José Mourinho, nos seus tempos primordiais de treinador principal, afirmava que treinava o 4-3-3 e depois alternava para o 4-4-2 losango. O próprio treinador (não por estas palavras) afirmava que no segundo ano a evolução dos jogadores iria estagnar, e não podia permitir que tal acontecesse. Servia-se do 4-4-2 losango pela dificuldade em ocupar espaços, levando os jogadores a concentrarem-se apenas pelo seu esforço.


       Quais são as características necessárias para que um modelo de jogo seja flexível e tenha resultados satisfatórios?

       Qualquer modelo de jogo pode ter várias soluções, mas a equipa não ter resultados, bem como um modelo de jogo pode até ser pouco flexível, mas os resultados da equipa são satisfatórios. Existem duas razões principais para que o modelo de jogo seja flexível e tenha os resultados pretendidos:

       >>> O modelo de jogo deve ser bem treinado
       De nada serve ter um super modelo de jogo, se a equipa não sabe como jogar dessa forma. Não basta ao treinador utilizar exercícios técnicos e pedir para os jogadores jogarem da forma como pretende. Se ainda por cima lhes gritasse, então é que eles não jogavam mesmo. Necessário sim, é ensiná-los e treiná-los, através de exercícios técnico-táticos, desde que estes sejam específicos, isto é, treinem os jogadores da forma que o modelo de jogo lhes pede para jogar.

       >>> Inter-relação entre os vários processos e jogadores
       Para que um modelo de jogo seja flexível, não basta ter apenas duas formas de jogar distintas. É necessário que as várias formas de jogar, mesmo que sejam muitas, sejam formas de jogar que os jogadores podem fazer ou podem vir a fazer (sejam capazes de as realizar após bem treinados). O que quero dizer é que cada jogador é adaptável a uma forma de jogar, e é um erro grosseiro fazer o jogador jogar algo que não sabe. Primeiro, precisa ser treinado, e só depois é que pode ser ensinado a jogar como queremos. E para que o jogador tenha melhores hipóteses de vir a ser bem-sucedido em vários estilos de jogo diferentes, depende da sua adaptação a esses estilos, assim como da adaptação à diferença desses estilos, uma vez que, sendo os estilos diferentes, o jogador necessita jogar de formas diferentes.


       Conclusão

       Após esta breve análise, ficamos a compreender a importância de um modelo de jogo ser adaptável e maleável a vários estilos de jogo. Tal como se fosse um jogo de xadrez, ter apenas um caminho para atacar seria muito fácil para o adversário defender. Já no futebol, utilizar um modelo de jogo estático é tão benéfico para os adversários como prejudicial para a própria equipa pelas razões acima numeradas. Numa outra análise, estudaremos algumas dicas para criar um modelo de jogo flexível, mas por agora, deixo o leitor com alguns artigos importantes: