10408 Compartilhar 'Brasil ainda não entendeu a revolução Guardiola x Mourinho e precisa reaprender a jogar - nosso maior atraso é no campo' Compartilhar 'Brasil ainda não entendeu a revolução Guardiola x Mourinho e precisa reaprender a jogar - nosso maior atraso é no campo' Compartilhar 'Brasil ainda não entendeu a revolução Guardiola x Mourinho e precisa reaprender a jogar - nosso maior atraso é no campo'
Catorze minutos de jogo em Concepción. A jogada começa pela esquerda com Filipe Luís, passa por Robinho, chega a Elias que aciona Daniel Alves. Firmino atrai a marcação paraguaia para a primeira trave e o lateral encontra Robinho infiltrando.
Gol na melhor jogada coletiva da seleção na Copa América. Uma prova de que não é preciso um combo de craques ou uma geração saturada de talento para fazer um belo trabalho em equipe. Nem precisou de Neymar.
produção TV Globo
Os outros 89 minutos foram a prova da estagnação do futebol da seleção e no país. De novo o pragmatismo, mais uma vez o foco obsessivo no resultado que plantou a equipe na defesa, à espera do contragolpe que não veio. Aguardando no próprio campo o Paraguai que, mesmo sem ideias e talento, avançou pela esquerda com Benítez e aproveitou mais um toque de Thiago Silva com a mão na própria área para empatar e avançar nos pênaltis.
Sim, o zagueiro falhou novamente. Aumenta ainda mais a impressão de instabilidade emocional, evidente durante a Copa do Mundo. Mas se a seleção não tivesse abdicado de jogar a partir do próprio gol talvez a vaga na semifinal já estivesse garantida.
ANDRÉ ROCHA - TACTICAL PAD
Dunga e sua visão monocromática do futebol têm enorme responsabilidade por mais esse fiasco brasileiro, que é não vencer porque não joga. Mas o técnico é parte de um problema maior: o atraso na concepção de futebol.
Aqui ainda acreditamos na fórmula de Zagallo, Parreira e Felipão. Os que venceram desde 1970. A velha máxima da escola brasileira de que se o grupo estiver unido e displicinado e a defesa organizada, o talento resolve na frente. Um jogo compartimentado, cheio de especialistas: o zagueiro "rebatedor", o volante "cão de guarda", o lateral "cruzador", o meia "de ligação" e o centroavante "o mais importante" - como na letra do Skank que também diz que "o meio-campo é o lugar dos craques".
Já foi. A construção do jogo brasileiro há algum tempo passa pelas laterais e chega com pressa ao ataque. Desde Jorginho e Branco a Bebeto e Romário, depois por Cafu e Roberto Carlos aos Ronaldos e Rivaldo. Hoje Daniel Alves a Neymar ou Robinho. Com
lapsos de presença dos "segundos volantes": Dunga, Kleberson e Elias.
Não dá mais para ser assim. Porque o Brasil não entendeu a verdadeira revolução que o embate Guardiola x Mourinho e seus desdobramentos trouxeram ao futebol mundial nos últimos cinco anos.
Pep Guardiola iniciou o processo. Combinou conceitos de Johan Cruyff, Arrigo Sacchi, Marcelo Bielsa, Ricardo La Volpe, Juan Manuel Lillo e Van Gaal. Trouxe para o Século XXI as ideias de Rinus Michels: compactação, pressão, posse de bola, superioridade numérica. Seu Barcelona avançava para roubar a bola do adversário e recuava até o goleiro, se preciso fosse, para começar a atacar. Com jogadores talentosos e inteligentes como Xavi, Iniesta e Messi, virou o futebol mundial de pernas para o ar.
Mistura das escolas holandesa, italiana, espanhola e argentina. Brasil? Guardiola sempre se refere ao passado. O que ouviu de seus avós, o São Paulo de Telê Santana, o respeito por Pepe, seu ex-treinador. Depois que seu Barcelona triturou o Santos de
Muricy Ramalho em 2011 foi respeitoso e gentil com o futebol cinco vezes campeão do mundo. Mas suas biografias mostram que a influência é zero.
A resposta de José Mourinho, então melhor técnico do mundo, foi dar inteligência à retranca. Não mais um amontoado de jogadores defendendo a própria área, mas duas linhas "chapadas", quase coladas como no handebol. Os quatro defensores muito próximos na compactação horizontal - distância lateral entre um jogador e seu companheiro - e os dois meias pelos flancos na segunda linha recuados impedindo a profundidade. Samuel Eto' surpreendeu o mundo como quase lateral pela Internazionale que superou o time de Guardiola.
Como? Com não mais que 35% de posse de bola, tornou o jogo ainda mais vertical. Passes rápidos e práticos, com pouca gente na frente para não desorganizar atrás. Jogando por uma bola, fosse no contragolpe ou nas jogadas aéreas, oportunidade para chegar no ataque com mais atletas.
Reprodução ESPN
Barcelona x Internazionale em 2010: No duelo entre Guardiola e Mourinho, 18 jogadores em vinte metros, linha de handebol italiana e Eto'o de lateral.
Esse duelo que seguiu com Mourinho no Real Madrid fez o esporte muito mais complexo, avançou taticamente vinte anos em cinco. Acelerou processos. Reduziu o campo de jogo para não mais que trinta metros. Transformou definitivamente o futebol em uma disputa de espaços, no qual os números dos sistemas táticos se tornaram praticamente irrelevantes.
Um duro golpe no futebol brasileiro que sempre gostou de espaço para jogar e nunca deu muita pelota para o trabalho coletivo. Alguém marcava para um criar e outro resolver lá na frente. Zagueiros "fechando a casinha", encaixe na marcação, perseguições individuais e quem tivesse talento, ou o marcasse, vencia. O que era fórmula de sucesso virou a Idade da Pedra.
Quem sempre valorizou a tática do jogo percebeu mais rapidamente a metamorfose. Não por acaso a experiência mais bem sucedida por aqui tenha sido o Corinthians de Tite em 2012. Mesmo carregando conceitos enraizados como volante marcador e jogo pelas laterais, a compactação e a intensidade atualizadas foram suficientes para vencer a Libertadores e superar o Chelsea, mais frágil campeão europeu desde 2008.
Não foram acidentais os vexames de Internacional e Atlético Mineiro diante de Mazembe e Raja Casablanca. Ou o país fora das semifinais na última Libertadores. Um pouco de organização e conceitos atuais já são o suficiente para complicar o nosso jogo lento e baseado em individualidades.
O Brasil de Dunga em 2009/10 pegou o início da revolução, mas já sofreu contra a Holanda, berço de todas essas ideias, e viu algo diferente em Espanha e Alemanha. Em 2013, o contexto favorável de jogar em casa construiu com Felipão um jogo de "abafa" e contragolpes que derreteu no calor tropical as decadentes Itália e Espanha na Copa das Confederações.
Veio o choque de realidade no Mundial. Cinco atuações fracas, um espasmo contra a Colômbia e os 7 a 1. A desculpa foi o "apagão". A realidade, uma aula alemã de futebol coletivo, tático e inteligente, especialmente inspirado nas finalizações na segunda metade do primeiro tempo.
Dunga voltou. Ele que foi alçado a técnico em 2006 pela convicção de que teria faltado liderança para comandar os talentos na Copa da Alemanha. Com a negativa de Scolari para voltar a trabalhar com Ricardo Teixeira, chamaram o capitão de 1994. De novo a combinação disciplina-defesa-talento. Não basta mais.
O futebol brasileiro tem enormes problemas fora de campo. É óbvio e cristalino. A CBF comercializa a seleção e, para reforçar sua marca, despreza os clubes que padecem com administrações amadoras que explodem dívidas, não oferecem as melhores condições para seus profissionais e valoriza a base para exportação. Sem contar a corrupção cada vez mais explícita.
Também precisa de uma chacoalhada. Porque ser transparente, pagar em dia, dar ferramentas para o trabalho e planejar o futuro é o básico. Não exatamente uma condição para voltar a vencer. Porque ganhava antes, desde os tempos de João Havelange. E na Europa o futebol é tratado como negócio e com gestão há décadas. No campo, porém, o talento puro resolvia.
Ainda resolve e o Barcelona está aí para comprovar com seu trio sul-americano. Mas agora a qualidade técnica e o improviso são a diferença no terço final do campo, não mais a base que sustenta uma equipe.
Portugal e Argentina são provas de que sem trabalho coletivo Cristiano Ronaldo e Messi podem decidir eventualmente. Como Neymar na seleção cinco vezes campeã do mundo. Mas os títulos mais importantes ficam com Espanha e Alemanha - coletivas, com qualidade e entrosamento de uma base de um ou dois clubes.
Porque o futebol mudou. Fora, mas principalmente dentro de campo. Guardiola e Mourinho iniciaram e agora parecem reféns de suas fórmulas. Jupp Heynckes, Carlo Ancelotti e agora Luis Enrique aprimoraram, deram um passo adiante. Construíram times ainda mais inteligentes e adaptáveis ao contexto. Prontos para propor o jogo, trocar passes ou aniquilar os rivais em contragolpes ou bolas paradas.
E a gente aqui descascando batata no porão. Se o resultado é desconectado do desempenho, as derrotas deixam claro que algo precisa mudar.
A saída? No curto prazo não existe. A primeira solução é aceitar humildemente nossa inferioridade e se dispor a reaprender a jogar. Depois de sedimentados os conceitos básicos, resgatar o nosso jeito: drible, passe longo, intuição, invenção. Mas sem a correria, as ligações diretas e o jogo de muito suor e pouco raciocínio dos últimos tempos.
Há material humano para voltar a jogar bem. A geração não é das mais brilhantes, os jovens sofrem sem as referências que deviam ser Robinho, Kaká, Ronaldinho, Adriano, Diego e outros que por diferentes motivos não conseguem mais jogar em altíssimo nível como protagonistas para liderar Neymar e os que estão chegando. Ainda assim, há qualidade. É possível extrair bom futebol, o gol de Robinho sobre o Paraguai é uma prova. Mas agora só com conteúdo, conhecimento. Não mais o lampejo.
Dunga nunca foi a solução. Mesmo com onze vitórias seguidas. Nem parece disposto a mudar. Continua olhando para fora. Se acha perseguido, agora uma suposta virose vira muleta para a derrota. A nova versão do "apagão" que deve seguir enganando os incautos ou orgulhosos, que ainda creem que só com gestão fora de campo o Brasil voltará a dar as cartas no planeta bola.
Pode ser, mas é improvável. Estamos parados onde sempre resolvemos nossos muitos problemas: no campo. É enxergar isso e agir ou esperar o maior dos 7 a 1 que seria ficar fora de uma Copa do Mundo pela primeira vez.
Reuters
Carlo Ancelotti, desempregado, poderia ser uma alternativa para a transformação do futebol brasileiro via seleção.
Carlo Ancelotti e Jurgen Klopp estão desempregados, ao menos oficialmente. Pode ser um primeiro passo. Se é pedir demais da CBF pensar mais em futebol do que em política e negócios, basta lembrar que a camisa verde e amarela está perdendo valor de mercado.